Poderia ter sido o melhor ano de sempre mas ficou-se pelo terceiro lugar. Os milhões movimentados no mercado imobiliário português chegaram quase ao 27 mil milhões de euros

2020 tinha tudo para ter sido o melhor ano de sempre no imobiliário mas a pandemia trocou as voltas e os milhões aplicados e feitas as contas para efeitos de balanço a consultora JLL concluiu que este ano, ainda assim, conseguiu entrar no top 3 desde que há registos no mercado. “A par do comportamento de estabilidade dos preços e das rendas na maioria dos segmentos, o mercado manteve um volume de transações elevado, estimando-se 2,6 mil milhões de euros investidos em imobiliário comercial (aplicado em escritórios, hotelaria, retalho, logística…)  e outros 24 mil milhões de euros em compra de habitação. Em ambos os casos, trata-se do terceiro melhor ano de sempre do mercado”, diz a JLL, em comunicado divulgado hoje. Recorde-se que em 2019 foram transacionados 3,240 mil milhões de euros em imobiliário comercial e 25,1 mil milhões de euros em residencial; e em 2018 foram transacionados 3,356 mil milhões de euros em imobiliário comercial e 24,1 mil milhões de euros em residencial.

O ano começou a todo o gás nos diferentes segmentos do mercado e, não fosse a proliferação da COVID-19, 2020 teria sido o melhor ano de sempre para este setor, quebrando novos recordes. Esta situação totalmente inesperada, de contornos desconhecidos e inéditos, veio impor um ritmo disruptivo em todas as esferas da nossa vida, com um impacto muito profundo na economia e, também, no mercado imobiliário. Contudo, depois de um 2º trimestre de pânico num quadro de absoluto desconhecimento, o 3º trimestre foi trazendo normalidade ao setor, com as transações a acontecerem, e o 4º trimestre foi já marcado por uma maior confiança e o regresso de muitos investidores ao ativo, também porque a vacina deixou de ser uma miragem para passar a ser uma realidade”, realçou Pedro Lancastre, diretor-geral da JLL.

A consultora passou a pente fino a atividade que ocorreu nos vários setores do mercado imobiliário:  

Habitação em alta junto de nacionais e estrangeiros

A atividade residencial não parou ao longo de todo o período pandémico, dando resposta a uma procura real e beneficiando bastante das plataformas digitais, que ajudaram o mercado a estar sempre ativo, aponta-se no relatório da JLL.

“O arranque do ano foi muito promissor, com o melhor primeiro trimestre de sempre em número de unidades vendidas e em valor. Com o confinamento imposto no 2º trimestre, o mercado abrandou cerca de 20% face ao período homólogo. A partir do verão voltámos a sentir um aumento de procura e, desde então, nota-se um regresso paulatino do mercado, inclusive do segmento internacional. As vendas a estrangeiros continuam muito ativas, com uma procura especialmente ativa por negócios de Golden Visa”, apontou Patrícia Barão, responsável pelo departamento Residencial da JLL.

“Claro que 2020 terá uma performance abaixo do ano passado, com menos unidades vendidas, mas é notável o aumento do ticket médio das aquisições, o que vai elevar o total das transações para um volume que se estima de 24 mil milhões de euros, ou seja, o terceiro melhor ano de sempre. Por outro lado, também a nova oferta está a adaptar-se às tendências que surgiram com a pandemia, trazendo para o mercado opções residenciais com espaços de trabalho e espaços exteriores, o que será muito importante para a dinâmica do mercado em 2021”, diz Patrícia Barão.

Arrendamento estimula imobiliário de rendimento

No investimento comercial, estima-se um volume de 2,6 mil milhões de euros. Apesar da quebra de cerca de 20% face a 2019, 2020 registará assim o terceiro melhor ano de que há registo em Portugal ao nível do investimento em imobiliário comercial.

“Portugal mantém-se no radar dos investidores internacionais, pois continua a apresentar os fundamentais que antes os atraíam. Não obstante, o capital local, proveniente dos fundos de investimento imobiliário abertos e dos fundos de pensões, esteve bastante mais ativo”, nota Fernando Ferreira, responsável pelo departamento de “Capital Markets”, da JLL. O responsável explica que“os escritórios foram um dos ativos mais apetecíveis, pois mantiveram uma boa procura mesmo na pandemia, ao passo que o retalho sofreu maior escrutínio por parte dos investidores, devido ao impacto da pandemia na livre circulação dos consumidores, o que provocou uma quebra na performance de muitos ativos deste segmento, especialmente no que respeita os centros comerciais. Por outro lado, o mercado residencial tem tido forte procura, incluindo os ativos para arrendamento de longo-prazo, mais conhecido por Multifamily, no qual a falta de produto acabado e pronto a funcionar, tem atrasado alguns processos de compra e venda. Outro segmento com muita procura, mas com falta de produto para satisfazer o apetite dos investidores é o setor industrial e de logística”. Fernando Ferreira destaca ainda“o crescente interesse pelos ativos imobiliários por parte dos privados, apoiado pela incerteza do mercado de ações e pelas baixas taxas de juro.”

Milhares de m2 a estrear em escritórios

Nos escritórios, a absorção deverá atingir os 120.000 a 125.000 memLisboa, uma redução de 35% face a 2019, sobretudo em reflexo da pausa nas transações de grandes dimensões.

“Entre os mercados ocupacionais, a atividade no setor de escritórios é visível e os fundamentais do mercado continuam presentes em Lisboa e Porto, atraindo investidores e empresas. Prova disso é que as rendas mantêm os valores ao longo do ano, com a renda prime fixa nos 25€/m2/mês”, explica Mariana Rosa, diretora do departamento de Escritórios e Logística“Claro que há uma redução da ocupação, devido à suspensão de muitas decisões, especialmente as que envolvem áreas de maior dimensão, bem como à implementação do teletrabalho, que levou a que muitas empresas tenham optado por libertar parte do seu espaço. Contudo, é de notar que este espaço é geralmente de boa qualidade e tem sido rapidamente absorvido, o que aumenta a confiança dos promotores. Por outro lado, apesar desta reação mais imediata, há já muitas empresas que estão a redesenhar os seus espaços, adaptando-os à nova realidade do teletrabalho, reconvertendo áreas individuais em áreas sociais e colaborativas. Isto é especialmente importante agora que o pipeline esperado nos últimos anos começa a vir para o mercado. Este ano foram concluídos 30.000 m2 de novos escritórios e para os próximos quatro anos esperam-se outros 660.000 m2”,nota a responsável.

Industrial e Logística batem recordes

Já o segmento de industrial e logística tem mostrado um comportamento em contraciclo, com um aumento expressivo da procura devido ao boom do e-commerce durante a pandemia.

“Esta situação identificou novos players e novos negócios, fazendo aumentar a necessidade de novas unidades de armazenamento, especialmente as chamadas “last-mile”, ou seja, as que estão mais próximas dos pontos de venda. No entanto, este é um mercado com poucas opções de oferta, sobretudo para áreas superiores a 10.000 m2, o que acaba por pressionar os níveis de ocupação”, nota Mariana Rosa. “Os investidores estão muito atentos a este segmento e perspetiva-se que a atual escassez de instalações modernas de qualidade venha a ser colmatada com o arranque de projetos em pipeline, que só na área metropolitana de Lisboa se estima ser de 340.500 mnos próximos anos”, conclui.

Retalho entre os mais afetados

Já o retalho foi um dos setores mais afetados pela pandemia, refletindo todas as limitações impostas, com impacto quer nos centros comerciais quer no comércio de rua, registando-se uma redução de 5% a 10% nas rendas prime no 1º semestre.

“No início da pandemia, o retalho sofreu muito pela diminuição de vendas devido ao confinamento imposto aos portugueses e à falta de turistas a visitar o país. A restauração foi das áreas mais afetadas, mas setores como o de decoração e bricolage, além do desportivo, beneficiaram das tendências que nasceram do lockdown. No retalho de rua, há também uma nota positiva para o comércio de conveniência e de proximidade”, explica Patrícia Araújo, diretora do departamento de Retalho. Os centros comerciais sofreram mais no início da pandemia, devido à desconfiança do consumidor em frequentar espaços fechados, mas têm tido cada vez mais afluência, uma vez que a ida ao centro comercial se mostrou bastante segura, visto terem sido tomadas todas as precauções necessárias para a segurança dos seus visitantes por parte dos proprietários dos centros e das próprias marcas. No que se refere especificamente à procura de espaços de retalho, desde setembro que se registou uma atividade mais positiva, quer pelas perspetivas relativamente à vacina quer pela proximidade do Natal.”,comenta Patrícia Araújo.

Hotéis sem turistas

Também a hotelaria foi fortemente impactada, com a ausência de turistas a pressionar todos os indicadores de ocupação e desempenho, com quedas que poderão atingir os 60% a 70%.

O número de hóspedes e dormidas, taxas de ocupação, RevPar e os fluxos nos aeroportos estão fortemente impactados. O impacto faz-se sentir quer no turismo de lazer quer de negócios, sendo claro que, mesmo num quadro de recuperação, as viagens de lazer serão as mais dinâmicas, uma vez que o turismo de negócios vai ser muito influenciado pelo nível de adoção do teletrabalho por parte das empresas”, diz Karina Simões, “Hotel Advisory” da JLL em Portugal.“O anúncio das vacinas e início da toma serão um marco na recuperação deste setor, mas a ativação das viagens de lazer só deverá acontecer no final do 1º semestre do próximo ano, sendo os destinos preferenciais os países mais sustentáveis e próximos de casa. É possível que os destinos resort recuperem mais rapidamente, uma vez que estão associados ao segmento alto e este será o primeiro a voltar a viajar. Em Portugal, será de destacar a continuação da tendência de crescente interesse por cidades secundárias e destinos localizados em ambientes mais rurais”, nota ainda Karina Simões.

Projetos em desenvolvimento

A incerteza trazida pela pandemia afetou também a promoção imobiliária, trazendo uma menor confiança aos promotores e o adiamento de algumas decisões de investimento, pese embora a inversão já verificada no 4º trimestre do ano.

“A pandemia veio trazer imprevisibilidade sobre o comportamento dos preços e das rendas, além de uma maior dilatação dos prazos de licenciamento, o que afastou temporariamente alguns investidores do mercado de promoção imobiliária e aumentou a cautela por parte dos que se mantiveram ativos”,começa por explicar Gonçalo Santos, “Head of Development” da JLL. Esta situação “amenizou no último trimestre do ano, com a aceleração das decisões dos compradores de produto final face ao anúncio da vacina, e um consequente aumento da confiança dos investidores. Mesmo neste cenário, o segmento habitacional teve um desempenho muito bom, com a venda de vários projetos relevantes, como é o caso do The Keys, na Quinta do Lago, que a JLL assessorou e que terá um investimento associado na ordem dos €300 milhões. A habitação será um dos segmentos mais relevantes na promoção imobiliária no próximo ano, com muito diversidade de targets, incluindo projetos para venda quer para arrendamento, além dos usos alternativos onde se incluem as residências de estudantes e de seniores. Mas no geral, identificamos um elevado nível de liquidez e ótimas oportunidades no mercado português, pelo que 2021 iniciará com um pipeline muito relevante de futuras operações para promoção”, termina Gonçalo Santos.

2021 cheio de capital para investir

De acordo com Pedro Lancastre, o mercado de investimento imobiliário, quer na vertente de aquisição para rendimento quer na vertente de promoção/desenvolvimento, vai continuar muito dinâmico em 2021. “Existe muita liquidez no mercado e, além dos investidores tradicionalmente interessados em imobiliário, as baixas taxas de juro vão direcionar novo capital para este segmento. Ao mesmo tempo, o mercado português mantém os seus fatores distintivos de atratividade. Temos um imobiliário muito bem cotado, com um bom potencial de valorização e oportunidades muito interessantes em setores que noutros países já estão aquecidos, mas que aqui estão a dar os primeiros passos”, prevê, confiante, o diretor-geral da JLL.

Na sua perspetiva, “Portugal, com as características que tem, pode atrair cada vez mais talento, e, por conseguinte, mais empresas a instalarem-se por cá em vez de noutros países europeus, podendo ainda ser um hub importante para muitas pessoas que passarão a trabalhar de casa ou a estar em teletrabalho”. Por outro lado, na habitação, a par dos usos tradicionais “estão a emergir projetos para novas ocupações como as residências seniores ou de estudantes, onde o arrendamento é o segmento alvo de investimento institucional”,sublinha o responsável, acrescentando que “em outros setores como os escritórios e o retalho, especialmente, estão num momento de grande transformação, tendo de lidar com a dualidade conveniência/experiência. Este tipo de imóveis terá de se reinventar, garantindo muito mais do que a conveniência aos seus utilizadores. O espaço físico será um elemento chave para proporcionar uma experiência às pessoas, quer sejam consumidores ou colaboradores de uma empresa. Isso terá um grande impacto na forma como conhecemos os escritórios e as lojas atualmente”.

O diretor geral da JLL sublinha que “Portugal sai bem posicionado da pandemia face a outros congéneres europeus, mantendo, além disso, os seus atrativos intactos”, porém, ressalva“o setor continua a ter de lidar com desafios estruturais que existiam antes da pandemia”.

Entre os maiores desafios, reforça Pedro Lancastre, está a resolução dos atrasos nos processos de licenciamento e a revisão na estratégia para os Vistos Gold, “que podem voltar a ser um catalisador importante para a retoma económica do país”.

Fonte: VISÃO